Arquivos de eleitores são perfis de eleitores individuais que são coletados para alimentar bases de dados para fins de campanha política. Em sua forma mais básica, um arquivo de eleitor é uma lista de pessoas que poderiam votar em uma determinada eleição. Estes dados também podem ser combinados com informações mais detalhadas, como filiação partidária ou histórico de registro. Enquanto os arquivos do eleitor podem variar dependendo de quem os produz - administradores eleitorais, entidades comerciais ou partidos políticos - consistem frequentemente em informações acessíveis ao público, combinadas com dados mais pormenorizados obtidos junto de fontes externas e enquetes.
Enquanto os governos usam arquivos de eleitores para gerenciar a regularidade do eleitor, os partidos políticos - muitas vezes em colaboração com consultores digitais ou corretores de dados - usam esta informação em sua estratégia de campanha. Os arquivos de eleitores fornecem uma boa base para calcular o apoio aos seus candidatos ou causas, bem como para ajudar a identificar apoiadores e direcionar os eleitores indecisos para a conversão, dentre outros usos. Informações de contato de eleitores também desempenham um papel crucial para o envio de mensagens de campanha, como podem ser usadas para iniciativas "vá votar" (n.d.t. - do inglês "get out the vote"), para procurar voluntários e doações, bem como informar e mobilizar apoiadores.
O valor dos arquivos de eleitores como um ativo para campanhas aumentou consideravelmente devido aos avanços nos métodos de coleta, análise e utilização de grandes quantidades de dados pessoais. Nas últimas décadas, os arquivos de eleitores se beneficiaram do mercado de dados pessoais e foram reforçados por fontes de dados mais consequentes do que as informações básicas recolhidas nos cadernos eleitorais. Estes dados suplementares ajudam as campanhas a compreender melhor os padrões demográficos e os hábitos de votação dos indivíduos. Pontos de dados adicionais podem ser usados para criar perfis personalizados e granulares, que são úteis na análise preditiva de uma campanha. Isso inclui rastrear a participação anterior de um eleitor e sua afiliação partidária para indexar seu sentimento e até mesmo utilizar dados financeiros relevantes, como relatórios de crédito, dados de consumidor e outros indicadores socioeconômicos.1 A informação adicional também ajuda campanhas políticas a personalizar mensagens aos interesses individuais dos eleitores.
Para ilustrar a granularidade dos dados oferecidos por corretores de arquivos de eleitores, a empresa norte-americana HaystaqDNA oferece uma lista "indispensável" de questões políticas que eles afirmam que seus dados podem resolver para eleitores individuais. Estas incluem as últimas questões polêmicas como a aprovação presidencial e a política de imigração, apoio a grupos ativistas e movimentos como Black Lives Matter ou Momentum, bem como hábitos de consumo, como ser um usuário que compartilha caronas.2 O escopo de preferências do eleitor oferecido pela HaystaqDNA não só mostra como os arquivos de eleitores agora procuram avaliar os pontos mais finos do sentimento do eleitor, mas também exemplifica a mudança na composição dos arquivos do eleitor: já não são desenvolvidos exclusivamente por partidos políticos, mas também por intermediários de dados e consultores digitais, muitos dos quais se especializam em dados políticos. Por exemplo, o corretor de dados NationBuilder oferece arquivos de eleitores gratuitos correspondente a 190 milhões de eleitores dos EUA, incluindo seu números de telefone, endereços, história dos eleitores e, por vezes, endereços de email, adquiridos de escritórios do governo por taxas substanciais, antes de serem padronizadas e reforçadas pela empresa. Este ajuste fino, eles alegam, permite-lhes oferecer um histórico de votação abrangente que rastreia a participação do eleitor em ‘qualquer tipo de eleição... do clube de futebol ao parlamento’.3
Os partidos podem construir os seus arquivos de eleitores a partir de quatro fontes principais: registros eleitorais, enquetes e pesquisas, registros de filiação partidária, dados públicos online ou empresas de intermediação de dados comerciais. Registro de eleitores: Estes dados podem ser recolhidos a partir de um registro eleitoral mantido pelo distrito eleitoral local como um cadastro de quem está registrado para votar. Por exemplo, no Reino Unido, os agentes de registros locais mantêm dois registros: o registro eleitoral e o registro aberto. Os funcionários das eleições, os partidos políticos, os candidatos e os detentores de cargos eleitos podem acessar estes dados para fins eleitorais.4 Antes de eleições ou referendos, os registros são enviados para campanhas oficiais para utilização para envio de material promocional.5 O registro aberto, do qual os cidadãos podem optar por deixar de participar, pode ser adquirido por qualquer pessoa, empresa ou organização, por qualquer motivo.6 Em muitos países são disponibilizados dados semelhantes, que variam de acordo com a legislação nacional em matéria de proteção de dados. Enquetes ou pesquisas: Estes dados são coletados por métodos de levantamento, desde simples pesquisas online e aplicativos políticos até métodos de trabalho intensivo, como serviços bancários por telefone ou apuração porta-a-porta. Cada vez mais, contatar eleitores via telefone depende de tecnologias como ligações automatizadas. As pessoas voluntárias geralmente seguem um roteiro e fazem perguntas sobre suas preferências partidárias ou, durante referendos, opiniões sobre a questão em votação, como a legalização da maconha. Suas respostas são então gravadas, muitas vezes usando aplicativos de apuração. Eles também podem marcar outras métricas, como "persuasividade" com base em suas interações.
Corretores de dados: Os corretores de dados coletam dados de eleitores e criam perfis de eleitores através de vários meios, incluindo as bases de dados eleitorais mencionadas acima, pesquisas e outros dados comerciais. Os corretores de dados oferecem frequentemente outros serviços para partidos políticos, tais como software para gerir as suas bases de dados, referidas como sistemas de gestão de relacionamento com o cliente ou constituinte (CRM, do inglês constituent/customer relationship management). Além de simplificar os dados públicos para uso em campanhas, a empresa NationBuild pode garantir que o banco de dados tenha os dados mais atualizados e pode melhorar a informação básica do eleitor com dados comerciais adicionais, como informações financeiras ou hobbies e interesses.7 Outro provedor, L2, oferece dados básicos, bem como a profissão, provável língua materna e opiniões sobre questões políticas polêmicas nos EUA, como casamento do mesmo sexo e controle de armas.8
Filiação de partido político: Em muitos países, os partidos políticos mantêm registros dos membros do seu partido. Além de informaçôes de contato, este histórico pode incluir a duração da filiação de um indivíduo no partido, seus registros de voto para a liderança do partido, histórico de voluntariado para o partido e doações. Partidos podem utilizar vários instrumentos tecnológicos para interagir com os seus membros com o objetivo específico de recolher mais dados sobre os mesmos, nomeadamente através de aplicativos de apuração ou enquetes nas mídias sociais. Em alguns países, como o Quênia, esses dados devem ser compartilhados com o governo,9 enquanto em outros, como o Reino Unido, cabe ao partido decidir publicar os dados ou estatísticas.
Uma captura de tela da empresa L2, que oferece aprimoramentos aos arquivos de eleitores, incluindo dados de estilo de vida e opiniões em questões políticas. (A imagem mostra uma lista de questões emergentes como "casamento gay", "controle de armas", "imigração", "visões sociais", entre outras).
Fonte: https://www.l2political.com/products/data/voter-file-enhancements/, acessado em 11 de março de 2019.
No Chile: O registro eleitoral no Chile é acessível online, em formato PDF, gratuitamente, depois que o serviço eleitoral chileno declarou que ele deve ser tornado público. A base de dados contém informações para todos os chilenos maiores de 17 anos. De acordo com os padrões para cadernos eleitorais, estes dados incluem nomes, número único de voto, gênero e endereço. Embora a regulamentãção proíba a utilização comercial da base de dados, existem poucas outras limitações. Questões de privacidade foram levantadas em resposta à publicação desta informação, devido à falta de segurança em torno da informação e como é fácil de reproduzir a base de dados.11 Além disso, a legislação chilena em matéria de privacidade nem sempre foi aplicada em outros domínios. Qualquer grupo de campanha política pode usar a informação como uma fundação para seus arquivos de eleitores.12
No Quênia: Existem várias fontes para ajudar os partidos políticos e candidatos no Quênia a formar seus próprios arquivos eleitorais. Em 2017, foi realizado um registro em massa de eleitores pela Comissão Eleitoral Independente e de Fronteiras (IEBC, do inglês Independent Electoral and Boundaries Comission) do Quênia.13 Os eleitores foram obrigados a apresentar o seu cartão de identificação nacional, fornecer suas impressões digitais e ter a sua foto tirada no local de votação. Esse registro foi então disponibilizado publicamente, geralmente em formato impresso, e colocado em algum lugar central para cada região de votação. Se um candidato político quisesse os dados com mais antecedência, poderia pagar por eles. Essa opção era particularmente útil, considerando que a publicação oficial atrasava em alguns meses, e quando finalmente chegava estava repleta de erros.14
No Canadá: Partidos políticos no Canadá são isentos de leis de privacidade. Consequentemente, cada partido político pode manter arquivos de eleitores sem precisar aderir às mesmas leis que regulam a coleção de dados por negócios.15 Ao expandir essas fontes de dados e desenvolver melhores análises, os partidos refinam suas categorias de eleitores de acordo com apoiadores, não apoiadores ou indecisos. Por exemplo, o Partido Conservador do Canadá usa esses dados para criar uma escala de -15 a 15 para avaliar o quanto um indivíduo os apoia, enquanto o partido Liberal tem um sistema de classificação de 1 (apoiadores) a 10 (aqueles que podem ser hostis).16 No ambiente desregulamentado, há pouca transparência quanto a quais dados exatamente estão contidos nas bases de dados ou à modelização que é realizada para avaliar as classificações finais dos níveis de apoio.
No Reino Unido: Cada partido no Reino Unido mantém o seu próprio arquivo de eleitores, portanto diferem muito dependendo dos recursos e da experiência técnica do próprio partido. O Partido Trabalhista dispõe de uma base de dados interna denominada Contact Creator (do inglês, criador de contatos), que contém dados sobre preferências, interesses, comportamento de voto e informação socioeconômica.17 O Contact Creator hospeda todos os dados coletados por telefone, e-mail ou de porta em porta. A base de dados dos Liberais Democratas, Connect foi desenvolvida pela NGP VAN, os mesmos fornecedores do software de banco de dados do Partido Democrata nos EUA. Candidatos e partidos com menos recursos, no entanto, foram flagrados usando softwares desenvolvidos por eles mesmos e planilhas do Excel também de manutenção própria - uma abordagem muito menos sofisticada - para hospedar informações de apoiadores.18
É muito difícil determinar como você está documentado pelos vários atores e entidades que mantêm, aprimoram e distribuem arquivos de eleitores. Raramente existe qualquer obrigação de os partidos publicarem qualquer informação relativa aos seus ativos de dados. No entanto, existem algumas fontes que podem ser referenciadas se você quiser verificar como seus dados pessoais são representados. A fonte primária são os registos eleitorais gerais. Cada país tem diferentes regulamentações sobre os registros eleitorais, mas aqueles que são públicos, como no Chile e Quênia, tornam mais fácil verificar quais dados pessoais são acessíveis. De maneira similar, o Reino Unido e os EUA disponibilizam publicamente informações básicas sobre qualquer eleitor registado. Uma análise mais aprofundada das comunicações recebidas de organizações políticas poderia ainda fornecer pistas sobre os dados pessoais que estão sendo coletados. Isso inclui correio e e-mail, bem como visitas para pesquisas eleitorais ou telefonemas - sejam de pessoas ou automatizados - de organizações políticas.
↘ Os arquivos de eleitores permitem aos partidos políticos compreender como utilizar os seus limitados recursos, uma vez que os bancos de dados de eleitores podem ajudar a decidir quais mensagens enviar a quais indivíduos, dependendo do seu apoio, oposição ou atitude indecisa em relação ao partido.
↘ Os bancos de dados mais detalhados podem ajudar as organizações políticas a fornecer aos eleitores informações relacionadas com os seus interesses específicos, como educação, ambiente ou bem-estar.
↘ Os arquivos de eleitores permitem aos partidos políticos avaliar os níveis de diversidade dos seus membros e concentrar os esforços de divulgação em qualquer área em que esteja faltando representação.
↘ Eles também podem ajudar os partidos políticos a entender melhor seus membros para desenvolver posições políticas com base nos interesses dos residentes locais.
↘ Quando bancos de dados de eleitores em nível nacional estão disponíveis a todos os partidos, cria-se um campo de jogo em condição de igualdade; no entanto, partidos políticos com mais dinheiro, recursos e especialização técnica têm condições de aprimorar essa informação básica com recolhimento e análise de dados sofisticados, o que os dá uma vantagem competitiva.
↘ Manter atualizados bancos de dados é algo caro e que demanda tempo. Portanto, podem conter erros e informações obsoletas, como no caso dos registos eleitorais no Quênia.19 No Reino Unido, o Partido Trabalhista e o Partido Conservador tiveram problemas com os seus bancos de dados, desde defeitos persistentes até quedas.20
↘ Há vários casos de arquivos de eleitores sendo vazados (ou então adquiridos através de métodos ilegais), com efeito negativo sobre a privacidade do eleitor.
↘ Estes bancos de dados são ativos que podem variar muito entre os partidos políticos. Isso pode resultar em um campo de jogo desigual, que impacta negativamente a dinâmica de poder dos sistemas democráticos.
Texto traduzido pela equipe da EITCHA a partir de: Voter Files: Political data about you (https://ourdataourselves.tacticaltech.org/posts/voter-files). Originalmente publicado em “Inside the Influence Industry's Personal Data: Political Persuasion - How it works” pelo time de Dados e Política da Tactical Tech.
1 “Political HQ”, HaystaqDNA, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://haystaqdna.com/politicalhq/.
2 “Political HQ”, HaystaqDNA.
3 NationBuilder, “Voter Data and the NationBuilder National Voter File”, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://web.archive.org/web/20190816061256/https://nationbuilder.com/voter_data_information.
4 Electoral Commission (Comissão Eleitoral do Reino Unido), “What Is the Electoral Register?”, acessado em 11 de Agosto de 2019, https://web.archive.org/web/20181005071035/http://www.electoralcommission.org.uk:80/faq/voting-and-registration/what-is-the-electoral-register
5 Coventry City Council (Conselho da Cidade de Conventry), “The Electoral Register and the Open Register | Registering to Vote”, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://www.coventry.gov.uk/info/8/elections_and_voting/765/registering_to_vote/7.
6 Coventry City Council, “The Electoral Register and the Open Register | Registering to Vote”.
7 NationBuilder, “Voter Data and the NationBuilder National Voter File”.
8 L2, “Data: Voter File Enhancements”, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://www.l2political.com/products/data/voter-file-enhancements/.
9 Grace Mutung’u, “Kenya: Data and Digital Election Campaigning”, Tactical Tech, 2018, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://ourdataourselves.tacticaltech.org/posts/overview-kenya/.
10 Noel Dempsey, “Membership of UK Political Parties”, UK Parliament (Parlamento do Reino Unido), 2018, Número SN05125 acessado em 11 de Agosto de 2020, https://researchbriefings.parliament.uk/ResearchBriefing/Summary/SN05125.
11 Privacy International, “State of Privacy Chile”, Privacy International, Janeiro de 2019, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://web.archive.org/web/20190531193509/https://privacyinternational.org/state-privacy/28/state-privacy-chile.
12 Raquel Rennó, “Chile: Voter Rolls and Geo-Targeting”, Tactical Tech, 2018, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://ourdataourselves.tacticaltech.org/posts/overview-chile/.
13 Grace Mutung’u, “Kenya: Data and Digital Election Campaigning”.
14 Grace Mutung’u, “Kenya: Data and Digital Election Campaigning”.
15 Colin Bennett and Robin Bayley, “Data Analytics in Canadian Elections”, Tactical Tech, 2018, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://ourdataourselves.tacticaltech.org/posts/overview-canada/.
16 Colin Bennett and Robin Bayley, “Data Analytics in Canadian Elections”.
17 The Labour Party (Partido Trabalhista do Reino Unido), “Tools for Activists”,acessado em 11 de Agosto de 2020, https://labour.org.uk/members/activist-area/tools-for-activists/.
18 Nick Anstead, “Data-Driven Campaigning in the 2015 United Kingdom General Election”, The International Journal of Press/Politics, vol. 22, no. 3, Julho de 2017, pp. 294–313, doi:10.1177/1940161217706163.
19 Grace Mutung’u, “Kenya: Data and Digital Election Campaigning”.
20 Mark Pack, “More Doubts Raised over Conservative Merlin Campaign Database”, Mark Pack (blog), 5 de Abril de 2010, acessado em 11 de Agosto de 2020, https://www.markpack.org.uk/9471/merlin-database-conservative-party/.